ÍNDIOS TRAVAM "GUERRA MODERNA" CONTRA HIDRELÉTRICAS NO TAPAJÓS

Rio Tapajós na Amazônia brasileira

Rio Tapajós é a base de subsistência dos mundurukus

BRASIL

Índios travam "guerra moderna" contra hidrelétricas no Tapajós

Conhecidos como guerreiros que cortavam a cabeça dos inimigos, índios da etnia munduruku resistem a projetos de hidrelétrica e hidrovia no Tapajós. Estratégias incluem autodemarcação da terra e busca de aliados.
O cacique Geraldo Krieixi Munduruku perde noites de sono com frequência. Aos 58 anos, ele revive o temor que conheceu em 1989, quando ouviu falar pela primeira vez sobre a construção de uma hidrelétrica no rio Tapajós, no Pará. Naquele ano, ele ajudou a afugentar das terras indígenas um pesquisador que coletava dados para o projeto.
A relativa calmaria nas aldeias munduruku no médio Tapajós, cercadas pela densa Floresta Amazônica, acabou quando o governo voltou a planejar as obras da Usina Hidrelétrica São Luíz do Tapajós, com início previsto ainda para 2016. Desde então, Krieixi e sua aldeia Daegacapap fazem parte da resistência organizada para evitar o barramento do rio.
Tribo Munduruku Cacique Geraldo Krieixi Munduruku
Cacique Geraldo Krieixi Munduruku mandou fazer placa de demarcação igual à do governo por conta própria
"A gente sente que o rio é como a nossa mãe, a floresta também é a nossa mãe. Se barrarem o rio, como a gente vai viver? Pra onde a gente vai?", questiona Krieixi.
Aldeias mundurukus se espalham ao longo do Tapajós. Elas lutam pela demarcação da Terra Índigena Sawré Muybu, de 178 mil hectares, onde foram avistadas pela primeira vez em meados de 1700, segundo relatos.
Embora a Constituição garanta posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, assim como o uso exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes, o espaço habitado por mundurukus nessa parte do Pará ainda não foi reconhecido pelo governo federal.
Com a ameaça de serem inundados pela barragem planejada, a liderança indígena decidiu demarcar a área por conta própria. Na manhã em que recebeu a reportagem da DW Brasil, a aldeia Daegacapap instalou uma placa de sinalização que imita o modelo oficial. "A pessoa que passar por aqui vê a placa e vê que a terra é indígena. É para que todos reconheçam que somos os donos da terra", diz Krieixi.
Infográfico Manduruku, hidrelétricas no Rio Tapajós
Pedido de ajuda internacional
A etnia nunca foi consultada sobre a construção de hidrelétricas no rio, que ainda corre livre por cerca de 800 km pelos estados de Mato Grosso, Amazonas e Pará. Segundo o último plano apresentado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a bacia do Tapajós deve ganhar sete usinas hidrelétricas até 2024.
Para sair da invisibilidade, a liderança munduruku pediu ajuda a parceiros de peso, como a ONG ambientalista Greenpeace. "Estamos ao lado dos mundurukus para que o governo brasileiro reconheça a terra deles legalmente, porque estão aqui há gerações. E evitar que represas sejam construídas aqui", disse à DW Brasil Bunny McDiarmid, diretora-executiva da organização, durante visita à região.
McDiarmid: Greenpeace está do lado dos Mundurukus
Segundo McDiarmid, por se tratar do "tipo de desenvolvimento errado no lugar errado", a ONG também atua para que empresas fiquem longe do empreendimento. "Algumas dessas empresas, que se autodenominam verdes, como a Siemens, irão sujar a própria imagem se vierem pra cá participar desse projeto. É um projeto desnecessário, destrutivo."
Batalha das leis
O destino dos mundurukus depende de qual decisão vier primeiro de Brasília: a construção da barragem ou a demarcação da terra. A Fundação Nacional do Índio (Funai) já identificou a área como terra de ocupação tradicional desse povo. Atualmente, o processo está em fase do contraditório administrativo, ou seja, momento em que todas as partes podem contestar o resultado e pedir explicações.
Quando todos os questionamentos forem respondidos pela Funai, o processo será encaminhado para o Ministério da Justiça, que faz o reconhecimento legal e pede a demarcação. Não existe uma previsão de quando essa etapa chegue ao fim, informou o órgão.
Por enquanto, as obras de São Luíz do Tapajós, com potência de 8.040 MW, não podem começar, pois o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) suspendeu o licenciamento ambiental e alegou que vai esperar a conclusão da Funai para avaliar se o processo terá continuidade.

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

Junto às margens
















O Ministério de Minas e Energia defende que a energia hidrelétrica é importante para o crescimento do país, além de ser a mais barata. "Os empreendimentos hidrelétricos modernos têm como característica o respeito ao meio ambiente e às populações locais, sendo definidos previamente planos de compensação ambiental e social, melhorias para a sociedade local, além do compromisso com protocolos internacionais a serem seguidos na relação com a sociedade", respondeu o ministério ao questionamento da DW Brasil.
Brasilien Volkstamm Munduruku Maria Aniceia

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

A cacica

Atualmente, algumas aldeias de munduruku são representadas por mulheres, conhecidas como cacicas. Maria Anicéia Akay Munduruku, da região do Alto Tapajós, faz parte do movimento pela demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu e contra a construção de hidrelétricas. Ela não fala português: para se comunicar com os demais fora da comunidade, ela precisa da ajuda na tradução, feita pelo marido.














Paulo Adário, consultor sênior e um dos fundadores do Greenpeace Brasil, contesta a informação. "Não há mais espaço para energias de fontes fósseis e daquelas que causam impactos ambientais, como destruição de florestas, e vão contra os direitos de populações tradicionais", justifica a oposição ao projeto de São Luiz do Tapajós. "O Greenpeace tem um estudo feito por cientistas que mostra que toda a demanda de energia necessária para a abastecer o país e atender às demandas de crescimento podem ser supridas por uma combinação de energias renováveis e limpas, tais como eólica, solar, biomassa", complementa Adário.
Brasilien Volkstamm Munduruku Demarkation

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

As ameaças

Os moradores da Terra Indígena Sawré Muybu aguardam a homologação do território que habitam há pelo menos três séculos. A área, de 178 mil hectares, sofre ameaça principalmente de madeireiros, garimpeiros e, agora, pode ser impactada pela construção de hidrelétricas. Como estratégia, os indígenas iniciaram a autodemarcação do território com instalação de placas que imitam as oficiais.














A usina viabilizaria um outro plano dos ministérios de Transporte e Agricultura: o de criar uma hidrovia para escoar a produção mato-grossense de grãos, que seria exportada para a Ásia através do canal do Panamá. O Mato Grosso é o maior produtor de soja do país, e a produção é vendida principalmente para a China.
menino indígena da tribo Munduruku
Mundurukus lutam contra hidrelétricas no rio Tapajós para garantir o futuro da tribo
Guerra moderna
A resistência do povo munduruku chamou a antenção internacional. Jeremy Campbell, professor da Roger Willians University, nos Estados Unidos, pesquisa a região do Tapajós desde 1999, quando presenciou violência e intimidação numa época de explosão de grilagem de terras no Pará. Ele se diz impressionado com a postura dos mundurukus.
Brasilien Volkstamm Munduruku Tapajos Fluss

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

A essência da vida

Para os mundurukus, o rio Tapajós é a essência da vida indígena. Eles dependem de suas águas principalmente para se alimentar e se locomover. Estudos apontam a existência de mais de 110 espécies de peixes, além do peixe-boi e ariranha. Animais como anta e tamanduá-bandeira também vivem às margens do rio.













"Os mundurukus são muito unidos. São guerreiros e estão em guerra porque seu modo de viver está ameaçado. Se a barragem for construída, terão que mudar o jeito de viver, e isso é algo que eles nunca aceitariam", avalia Campbell.
Brasilien Volkstamm Munduruku Alltag

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

Trabalho diário

Na época de chuvas, que vai de dezembro a maio, o nível do Tapajós chega a subir sete metros. Já na estação seca, de junho a novembro, a água volta ao curso normal. Nos igarapés da aldeia Sawré Muybu, indígenas tomam banho, lavam a louça e a roupa no começo e no final do dia.













Antônio Dace Munduruku, 28 anos, é um dos que já deixaram a aldeia muitas vezes para ir a Brasília participar dessa "guerra moderna". "As pessoas que estão nas capitais, nos países avançados, enxergam a Amazônia como um lugar sem ninguém, só uma área verde. E cada um quer ter um pedaço dela. E cada vez o nosso direto está sendo ameaçado", diz.
Brasilien Volkstamm Munduruku Kinder

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

Professores indígenas

As crianças munduruku frequentam a escola da aldeia, sob orientação de professores indígenas. Normalmente, apenas o ensino fundamental é oferecido nas comunidades. Na foto, as meninas brincam na sala de aula compartilhada na aldeia Sawré Muybu durante o período de férias escolares. Alguns animais, como macaco, papagaio, cachorro e capivara convivem com as crianças na aldeia.














Pai de dois filhos, ele diz como quer viver: "eu queria ser índio, viver como um indígena. Se eu não tiver esse direito, a gente vai ficar extinto. A pressão vem de vários lados. Muita gente fala de clima e da importância das florestas. Mas quem garante a preservação somos nós, indígenas".

Documentário mostra resistência índígena a hidrelétricas no Tapajós

"Indios Munduruku: Tecendo a Resistência" é lançado nesta semana no Brasil e na Inglaterra. Etnia luta contra construção de usinas na bacia do rio, no Pará, e ainda não tem terras demarcadas.
No oeste do Pará, índios da etnia munduruku tecem cestos e entrelaçam resistência contra a construção de hidrelétricas ao longo do rio Tapajós. "O povo munduruku é muito guerreiro. Luta por justiça de uma maneira muito nobre, tentando dialogar. Está tecendo uma resistência e enfrentando a situação de forma pacífica", diz a documentarista Nayana Fernandez.
A brasileira de 33 anos percorreu aldeias da tribo indígena ao longo do rio Cururu, afluente do Tapajós, para registrar a luta dos munduruku contra um complexo hidrelétrico. O projeto prevê a construção de mais de 20 barragens na bacia do Tapajós, com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
O resultado das filmagens é o documentário Índios Munduruku: Tecendo a Resistência, lançado nesta semana no Brasil e na Inglaterra, simultaneamente. A produção independente contou com o apoio de organizações britânicas e de lideranças da etnia munduruku.
"Por que tirar o que nos resta? Todo esse Brasil era da população indígena", questiona um dos entrevistados. "A gente costuma dizer que esse é um projeto de morte", diz outra indígena.
Nayana conheceu os índios munduruku em setembro de 2013, quando acompanhou uma jornalista inglesa ao norte do país para identificar focos de resistência contra grandes obras federais.
Sensibilizada com a tradição da tribo indígena, Nayana voltou à bacia do Tapajós em fevereiro deste ano com a ideia do documentário. "A construção das usinas vai mudar quem eles são e industrializar um ambiente indígena tradicional", diz.
A documentarista se lembra da filmagem de uma audiência pública sobre o projeto, que contou com a vigilância de homens do Exército. "Foi uma situação muito tensa. A audiência foi inteiramente em português e as perguntas deveriam ser feitas por escrito. A maior parte dos munduruku não sabe escrever. É um povo de cultura oral", conta Nayana.
Para "conseguir as imagens mais doces, do tecer e das crianças", ela teve que se aproximar lentamente para ganhar a confiança dos índios munduruku. "Existe uma preocupação com o tipo de material que será feito. Historicamente, muita gente filma e depois some, ganha dinheiro com a imagem dos índios sem trazer nenhum resultado."
Autodemarcação
Em setembro, índios munduruku iniciaram a autodemarcação da terra indígena Sawré Muybu, entre os municípios de Itaituba e Trairão, no oeste do Pará, a poucos quilômetros da área prevista para a construção da usina de São Luiz do Tapajós. Eles cercam o território ocupado historicamente pela etnia de forma independente.
Os índios da etnia munduruku vivem no oeste do Pará, na bacia do Rio Tapajós
Uma carta divulgada pela tribo nesta segunda-feira (17/11) aponta que as tentativas de demarcação foram frustradas após uma série de negativas da Fundação Nacional do Índio (Funai).
"Nesses 30 dias da autodemarcação, já caminhamos cerca de 7 quilômetros e fizemos 2,5 quilômetros de picadas. Encontramos 11 madeireiros, três caminhões, quatro motos, um trator e inúmeras toras de madeira de lei às margens dos ramais em nossas terras", diz a carta.
A equipe de produção do documentário, associações locais e o movimento Munduruku Ipereg Ayu pretendem criar uma campanha de financiamento coletivo para fortalecer as ações da etnia indígena, com a criação de uma associação e o apoio à autodemarcação das terras.
O documentário Índios Munduruku: Tecendo a Resistência está disponível na internet emportuguês e inglês.

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Assista ao documentário "Índios Munduruku: Tecendo a Resistência" (versão em português)

Assista ao documentário "Índios Munduruku: Tecendo a Resistência" (versão em inglês)

Fonte:http://www.dw.com/pt/
Brasilien Volkstamm Munduruku Tapajos Fluss

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

Perda da terra e fim da subsistência

Se construída, a hidrelétrica São Luiz do Tapajós ficará nesse trecho do rio, que tem águas verde-azuladas, corredeiras, praias, cachoeiras e igarapés. Os reservatórios poderão inundar até 7% da Terra Indígena Sawré Muybu. Para os mundurukus, o barramento do rio significa a perda de território e dos meios de subsistência, além de piorar qualidade da água e interferir na reprodução dos peixes. 
Autoria: Nádia Pontes
Brasilien Volkstamm Munduruku Sao Manoel Wasserkraftwerk

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

Participação chinesa

Imagem aérea mostra obras de construção da hidrelétrica São Manoel, com início de operação prevista para janeiro de 2018. Com participação da indústria chinesa, empreendimento está orçado em R$ 2,2 bilhões. A usina também está localizada no rio Teles Pires, afluente do Tapajós, e terá capacidade para gerar 700 MW.
Brasilien Volkstamm Munduruku Teles Pires Wasserkraftwerk

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

A ameaça

Vista aérea da hidrelétrica Teles Pires, construída no leito do rio homônimo, afluente do Tapajós, localizada na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso. Pronta desde 2015, a usina tem potência instalada de 1820 MW, mas ainda está praticamente sem produzir eletricidade devido à falta de linhas de transmissão. A cor verde mais clara indica área de floresta que foi submersa.
Brasilien Volkstamm Munduruku Maniokmehl

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

Mandioca, batata-doce, cará e banana

A farinha é o principal alimento nas aldeias mundurukus. Ela é fabricada artesanalmente, por quase toda a família. A mandioca, plantada na roça familiar, é triturada, ralada e depois torrada num tacho aquecido com lenha. O produto é armazenado em sacos de estopa e servido praticamente em todas as refeições. Além da mandioca, os índios cultivam principalmente batata-doce, cará e banana.
Brasilien Volkstamm Munduruku Kaxidi Getränk

MUNDURUKUS ÀS MARGENS DO TAPAJÓS

A bebida tradicional

Em ocasiões especiais, como visitas à comunidade, as famílias mundurukus preparam uma bebida conhecida como kaxidi. Ela é feita de batata-doce, farinha de mandioca e caldo de cana ou açúcar. Embora consumam principalmente alimentos cultivados nas roças, alguns produtos não tradicionais fazem parte da dieta há algum tempo, como açúcar, sal, café, e são comprados na cidade cerca de uma vez por mês.

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