SABER CUIDAR : ÉTICA DO HUMANO - COMPAIXÃO PELA TERRA - LIVRO E VÍDEO DE LEONARDO BOFF


BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

No livro Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra, o autor Leonardo Boff que é professor de teologia, filosofia, espiritualidade e de ecologia e autor de inúmeras obras, busca detalhar o cuidado em suas várias concretizações: cuidado com a Terra, com a sociedade sustentável com o corpo, com o espírito, com a grande travessia da morte. A ótica do cuidado funda uma nova ética, compreensível a todos e capaz de inspirar valores e atitudes fundamentais para a fase planetária da humanidade.
Boff inicia o livro retratando a relação de cuidado que remontamos a um chaveirinho eletrônico chamado tamagochi, uma invenção japonesa de 1997, de um bichinho virtual que precisava de cuidado (ser alimentado, de carinho, de dormir, entre outras necessidades) para que não morresse. A partir daí o autor começa a analisar que tipos de relações se constroem na atualidade, nas quais investimos tempo e cuidado a seres virtuais para superar a solidão.
Dentre os 11 capítulos que compõem o livro, retrata-se o descuido com o ser humano e de que forma ocorre em nossa civilização atual, descreve sobre a historicidade dos mitos e fábulas na sociedade, discorre sobre as dimensões, natureza, concretizações e patologias do cuidado, e por último exemplifica modelos de vivências acerca deste ato de cuidar.
A fábula-mito do cuidado faz uso de várias figuras mitológicas (Júpiter, Terra, Saturno), para nos mostrar que o cuidado é antes de tudo uma atitude, como nos fala o autor:
“Cuidar é mais que um ato, é uma atitude. [...] Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e envolvimento afetivo com o outro.” (BOFF, 1999, p.33)
Enfim, o ser humano como ser social e histórico, é fruto de suas relações entre seus pares e também com a natureza em geral, essa troca de afeto, de experiências de vida, é fundamental para o movimento de construção e desconstrução de nossa identidade.
Para você leitor que se preocupa com a construção de suas relações afetivo-sociais, e os efeitos que elas acarretam não somente para sua vida, mas para todo o Universo, recomenda-se a leitura deste livro que propõe uma nova visão, acerca do cuidado com o sujeito homem e seu meio ambiente.
Fonte:http://ulbra-to.br/encena/2012/07/06/Saber-cuidar-Etica-do-humano-compaixao-pela-terra


INTRODUÇÃO
Com uma abordagem bastante clara e densa, Saber Cuidar, de Leonardo Boff, trás a temática do Cuidado. Em seu livro ele fala, inicialmente, sobre a falta de cuidado – tanto interpessoal quanto na relaçãohomem/natureza - na nossa civilização, sobre como tentamos remediá-la (de forma, na maioria das vezes, equivocada) e por fim indica um caminho certo para sanar os descuidos que vêm degradando nosso planeta como um todo.
Boffcoloca ainda, com muita propriedade, as ressonâncias, as concretizações e as patologias do Cuidado. Ele destrincha cada um desses pontos e faz o leitor refletir a respeito das relações com o outro, com a Terra e consigo mesmo.O livro faz também várias referências às dimensões materiais e imateriais relacionadas ao Cuidado e o Cuidar dos oprimidos, dos pobres, da sustentabilidade do planeta e do nosso espírito. Mas o saber cuidar não está nasformas individualizadas do ser, e sim na coletividade, pois é uma atitude (não um ato) que abrange todo campo do desenvolvimento afetivo com o outro. 
Boff coloca em voga que o Cuidado é a essência do homem e que sem ele éimpossível a existência do ser humano e expõe figuras exemplares de Cuidado, como Jesus, Mahatma Gandhi, Francisco de Assis, dentre outros. Assim, Saber Cuidar é uma leitura intrigante que nos faz refletir o quanto temoscontribuído no Cuidar do mundo.

O mal-estar da civilização, constatado há tempos pelos estudiosos, aparece sob a forma de descuido, descaso, abandono.
São vários os exemplos a serem citados quando se fala dessa falta decuidado. O trabalho infantil e a semiescravidão a que são submetidas milhares de crianças; o abandono dos miseráveis, famintos; os marginalizados, excluídos do processo de produção; o desleixo com a solidariedade, com osideais de dignidade e liberdade; a permissividade com a corrupção e a ausência de escrúpulos na esfera pública; há um descuido com a manutenção do ecossistema. São todos esses exemplos de males, doenças crônicas .
Resenha: Saber Cuidar, de Leonardo Boff
Por Tãnia Barros

Leonardo Boff no livro Saber cuidar, discorrer de forma simples e prazerosamente, acerca do Cuidado como essência humana, mais que a Razão e a Vontade.

A partir de uma fábula antiga sobre o Cuidado, ele aprofunda as suasvárias dimensões na vida pessoal, social e planetária.

Boff tece uma crítica poderosa, de ângulo holiístico, ao realismo materialista - a filosofia que sustenta o cienticifismo tecnicista atual. A humanidade estaria cega à dimensão divina que a guiou desde tempos imemoriais. Esterealismo materialista teria encurtado realidade ao tamanho dos 5 (cinco) sentidos, organizados pela razão analítica.

O teólogo e filósofo vai da mitologia à cosmologia e física quântica atuais, para ilustrar a necessidade e o surgimento de uma nova cnsciência alternativa ao realismomaterialista: a filosofia holística. A perda de conexão com o Todo seria a falta de cuidado, falta da condição essencial humana.

Um novo paradigma (seminal) e re-ligação, re-encantamento pela natureza e da com-paixão pelos que sofrem representa o surgimento de uma éticacivilizacional que nos permitirá dar um salto de qualidade de convivência e de paz.

By Tânia Barros

Leonardo Boff no livro Saber Cuidar discorre de forma simples e prazerosamente a cerca do cuidado como essência humana. Ele aprofunda suas dimensões na vida pessoal, social e planetária. Nesta obra, ele busca o reencontro do homem com todos os aspectos ambientais que nos cerca e mostra que estamos vivenciando um descuido enorme na sociedade em geral, principalmente as pessoas desempregados e aposentados. O saber cuidar que o autor defende em sua obra está pautado em todos os aspectos, como política, social, cultural. Ele ressalta, que o homem perde a razão quando não cuida da natureza, dos animais entre outros. Logo, o ser humano se projeta numa dimensão decuidados apenas para as pessoas especiais, de modo que ele repudia esta forma de comportamento, pois o saber cuidar não é apena privilegiar, mas valorizar e respeitar tudo que pertence a natureza. Leonardo Boff coloca que precisamos de mais educação, formação e informação para entendermos que o saber cuidar não está na esfera individualizada, mas num unive
rso total. É por esta razão, que ele coloca que o mais importante é saber que nunca perdemos a capacidade de aprender para reencontrar com uma consciência digna de saber cuidar das coisas. Ele levanta fortes emoções em sua obra quando afirma que é com o coletivo que se caminha e repudia o individualismo.Para ele, cuidar é mais do que um ato; é uma atitude que abrange todo campo do desenvolvimento afetivo com o outro. Não importa o que cuidamos, mas o importante é termos atitudes que possam marcar o encontro com a raiz humana e preservar os bons atos que necessariamente devem fazer parte da nossa constituição. Leonardo Boff apresenta através de fábulas e mitos a origem do homem e o significado do cuidado. Sendo a essência do ser humano, o saber cuidar, sendo preciso em primeiro lugar para respiritualizar a se mesmo. A proposta é uma nova ética colocada pelo autor para mudar a conduta humana sobre as relações com o meio e com o outro.

O que é Ética?
Segundo Leonardo Boff a ética da sociedade dominante hoje é utilitarista e antropocêntrica.Considera que o conjunto dos seres está a serviço do ser humano, que pode dispor deles como quiser, atendendoa seus desejos e preferências. Acredita que o ser humano é a coroa do processo evolutivo e o centro douniverso, o que notoriamente representa uma arrogância, além de uma ilusão. Somos um elo da cadeia dos seres, emboracom a singularidade de sermos seres éticos.
Ético, seria então desenvolver um sentido do limite dosdesejos humanos porquanto estes levam facilmente a procurar vantagens individuais e grupais a custa da exploraçãode classes da subjugação de povos e da opressão de sexos. O ser humano é também, e principalmente, um ser decooperação, de cuidado, de comunicação e de responsabilidade.
Então, ético seria também potenciar asolidariedade generacional no sentido de respeitar o futuro daqueles que ainda não nasceram. Ético seria reconhecero caráter de autonomia relativa dos seres e, por isso, respeitá-lo como valores em si mesmo.

O texto Saber Cuidar: Ética do Humano nos leva a uma reflexão sobre atitudes e cuidados relacionados ao mundo.
Hoje vemos o quanto o ser humano não tem cuidados com pessoas, plantas, animais, enfim, com a Terra em si. 
É possível realizar um comparativo com máquinas e computadores, uma vez que eles se tornaram mais eficazes que nós seres humanos.
Podemos fazer uma crítica sobre a civilização, uma vez que é possível superarmos desafios, através do cuidado.
No texto possui uma frase onde diz o seguinte:
“Só nós humanos podemos sentar-nos à mesa com o amigo frustrado, colocar-lhe a mão no ombro, tomar com ele um copo de cerveja e trazer-lhe consolação e esperança.” (BOFF, Leonardo)
A partir desta frase, podemos refletir quanto ao cuidado, uma vez que no mundo de hoje às pessoas se preocupam somente com si próprio, deixando de se importar com o próximo, já que pensamos mil vezes antes de estender a mão a alguém que precisa de nós. Podemos fazer tantascoisas boas através de pequenos gestos, pequenas atitudes e cuidados, a fim de ajudar o próximo, ou o que quer que seja, mas ao invés disso viramos as costas para o mundo, esquecendo que precisamos criar um mundo melhor para viver.
Chegou o momento de resgatarmos nossa real essência, visando todas as coisas, trazer de volta aquilo que há muito tempo foi perdido: caminhos, cuidados, atitudes, ou seja, todos aqueles sentimentos que nos tornam pessoas melhores.
A partir do momento em que tais essências forem resgatadas, criamos uma responsabilidade e a preocupação sobre todas as coisas volta, uma vez que, sem tais fatores o ser humano jamais seria humano.
É necessário sentir o outro e ter compaixão com todos sendo humanos ou não, sempre levando em consideração a lógica do coração.
Assim, resta ao homem entender o real significado do saber cuidar e diante disso tomar a atitude de cuidar de tudo o que diz respeito ao Mundo, como prioridade de vida.

LIvro: Saber cuidar - Ética do Humano - Compaixao pela Terra.
Autor: Leonardo Boff
Editora: Vozes
Pags.: 199 
RESENHA
Autor: Lucas Correia de Lima

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar. Ética do Humano – Compaixão pela Terra. Petrópolis, Ed. Vozes, 1999.

Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos14 de dezembro de 1938. Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centrosde estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha). Édoutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa desua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos. Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o premio Nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award). É autorde mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística.

Em “Saber cuidar”, o autor verifica que a sociedade pós-moderna se caracteriza pelocomportamento de manter seus indivíduos isolados, distantes uns dos outros, como se estivessem enclausurados, e se pergunta qual a posição significativa do cuidado nesta sociedade. A marca de nosso tempo,para o autor, é a falta de cuidado, que pode ser constatada no mal estar presente na civilização e em seu descuido, especialmente em relação à antropologia e ao meio-ambiente. 
O autor, Leonardo Boff,propõe um novo ethos num “modo-de-ser-essencial” ressignificando o mito como algo que aborda o cerne das pessoas, numa releitura como “habitat” - sentido original no grego como a toca do animal oucasa humana – ou “porção do mundo que reservamos para organizar, cuidar e fazer o nosso habitat”. 
O modo de ser-no-mundo é o principal embasamento para o padrão ético exposto por Boff. 
SABER CUIDAR: ÉTICA DO HUMANO-ÍNDICE
Leonardo Boff
Introdução1. Cuidado com o nosso único planeta
2. Cuidado com opróprio nicho ecológico
3. Cuidado com a sociedade sustentável
4. Cuidado com o outro, animus e anima
5. Cuidado com ospobres, oprimidos e excluídos
6. Cuidado com nosso corpona saúde e na doença
7. Cuidado com a cura integra do serhumano
8. Cuidado com a nossa alma, anjos e os demônios interiores
9. Cuidado com o nosso espírito, os grandes sonhose Deus
10. Cuidado com a grande travessia, a morte,Introdução

Fonte:http://www.trabalhosfeitos.com/topicos/resenha-saber-cuidar-de-leonardo-boff/

Saber Cuidar. Ética do Humano – Compaixão pela Terra I – L. Boff

Leonardo Boff
Saber Cuidar. Ética do Humano – Compaixão pela Terra
Petrópolis, Ed. Vozes, 1999
Excertos adaptados

TAMAGOCHI E O CUIDADO


A sociedade contemporânea, chamada sociedade do conhecimento e da comunicação, está cada vez mais a criar, contraditoriamente, incomunicação e solidão entre as pessoas. A Internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos de encontrar alguém. Pode-se comprar, pagar as contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme, sem se falar com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas, não precisamos de sair de casa. Tudo vem a nossa casa viaon line.
A relação com a realidade concreta, com os seus cheiros, cores, frios, calores, pesos, resistências e contradições, é mediada pela imagem virtual, que é somente imagem. O pé já não sente o macio da relva verde. A mão já não pega num punhado de terra escura. O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tacto e do contacto humano.
Essa anti-realidade afecta a vida humana naquilo que ela possui de mais fundamental: o cuidado e a compaixão. Mitos antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos ensinam-nos que a essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado. O cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado encontra-se o ethos fundamental do humano. Quer dizer, no cuidadoidentificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das acções um recto agir.
O tipo de sociedade do conhecimento e da comunicação que temos desenvolvido nas últimas décadas ameaça a essência humana. Porventura, não ignorou ela as pessoas concretas com as feições dos seus rostos, com o desenho das suas mãos, com a irradiação da sua presença, com as suas biografias marcadas por buscas, lutas, perplexidades, fracassos e conquistas? Não colocou sob suspeita e até difamou como obstáculo ao conhecimento objectivo, o cuidado, a sensibilidade e o enternecimento, realidades tão necessárias, sem as quais ninguém vive e sobrevive com sentido? Na medida em que avança tecnologicamente na produção e serviço de bens materiais, será que não produz mais empobrecidos e excluídos, quase dois terços da humanidade, condenados a morrer antes do tempo?
A nossa meditação procura denunciar semelhante desvio. Ousamos apresentar caminhos de cura e de resgate da essência humana, que passam todos pelo cuidado.
 Alimentamos a profunda convicção de que o cuidado, pelo facto de ser essencial, não pode ser suprimido nem ignorado. Ele vinga-se e irrompe sempre por algumas brechas da vida. Se assim não fosse, repetimos, não seria essencial. Onde é que o cuidado aparece na nossa sociedade? Em algo de muito vulgar, de quase ridículo, mas extremamente indicativo: no tamagochi.
O que é o tamagochi ? É uma invenção japonesa dos inícios de 1997. Um porta-chaves electrónico, com três botões abaixo do écran de cristal, que alberga dentro de si um bichinho de estimação virtual. O bichinho tem fome, come, dorme, cresce, brinca, chora, fica doente e pode morrer. Tudo depende do cuidado que recebe ou não do seu dono ou dona. O tamagochi dá muito trabalho. Como uma criança, a todo momento deve ser objecto de cuidado; caso contrário, reclama com o seu bip; se não for atendido, corre risco. E quem é tão sem coração a ponto de deixar um bichinho de estimação morrer? O brinquedo transformou-se numa mania e tem mudado a rotina de muitas crianças, jovens e adultos, que se empenham em cuidar do tamagochi, dar-lhe de comer, deixá-lo descansar e fazê-lo dormir. O cuidado faz até o milagre de o ressuscitar, caso tenha morrido por falta de atenção e de cuidado.
Bem disse um perspicaz cronista carioca: “Solidão, o seu cognome é tamagochi“. O cuidado pelo bichinho de estimação virtual denuncia a solidão em que vive o homem/a mulher da sociedade da comunicação nascente. Mas anuncia também que, apesar da desumanização de grande parte da nossa cultura, a essência humana não se perdeu. Ela está aí na forma do cuidado, transferido para um aparelho electrónico, em vez de ser investido nas pessoas concretas à nossa volta: na avó doente, num colega de escola deficiente físico, num menino ou menina da rua, no velhinho que vende o pão matinal, nos pobres e marginalizados das nossas cidades ou até mesmo num bichinho vivo de estimação, seja um hamster, um papagaio, um gato ou um cachorro.
cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade. É o que vamos propor no presente livro.
Sonhamos com um mundo ainda por vir, onde não vamos precisar mais de aparelhos electrónicos com seres virtuais para superar a nossa solidão e realizar a nossa essência humana de cuidado e de gentileza. Sonhamos com uma sociedade mundializada, na grande casa comum, a Terra, onde os valores estruturantes se construirão em redor do cuidado com as pessoas, sobretudo com os culturalmente diferentes, com os penalizados pela natureza ou pela história. Cuidado com os espoliados e excluídos, as crianças, os velhos, os moribundos, cuidado com a nossa grande e generosa Mãe, a Terra. Sonhamos com o cuidado assumido como o ethos fundamental humano e como compaixão imprescindível para com todos os seres da criação.
Por toda a parte surgem sintomas que sinalizam grandes devastações no planeta Terra e na humanidade. O projecto de crescimento material ilimitado, mundialmente integrado, sacrifica 2/3 da humanidade, extenua recursos da Terra e compromete o futuro das gerações vindouras. Encontramo-nos no limiar de bifurcações fenomenais. Qual é o limite de suportabilidade do super-organismo Terra? Estamos a rumar na direcção de uma civilização do caos?
Na sua biografia, a terra conheceu cataclismos inimagináveis mas sempre sobreviveu. Sempre salvaguardou o princípio da vida e da sua diversidade. Supomos que agora não será diferente. Há hipóteses de salvação. Mas, para isso, devemos percorrer um longo caminho de conversão dos nossos hábitos quotidianos e políticos, privados e públicos, culturais e espirituais. A degradação crescente da nossa casa comum, a Terra, denuncia a nossa crise de adolescência. Importa que entremos na idade madura e mostremos sinais de sabedoria. Sem isso, não garantiremos um futuro promissor.
 Formalizando a questão, podemos dizer: mais do que o fim do mundo, estamos a assistir ao fim de um tipo de mundo. Enfrentamos uma crise civilizacional generalizada. Precisamos de um novo paradigma de convivência que funde uma relação mais benfazeja para com a Terra e inaugure um novo pacto social entre os povos, no sentido do respeito e da preservação de tudo o que existe e vive. Só a partir desta mutação, faz sentido pensarmos em alternativas que representem uma nova esperança.

Saber Cuidar – Sintomas da crise II – L. Boff


SINTOMAS DA CRISE CIVILIZACIONAL

O sintoma mais doloroso, já constatado há décadas por analistas e pensadores contemporâneos, é um difuso mal-estar da civilização. Aparece sob o fenómeno do descuido, da falta de atenção e do abandono, numa palavra, da falta de cuidado.
— Há um descuido e uma falta de atenção pela vida inocente de crianças, usadas como combustível na produção para o mercado mundial. Os dados da Organização Mundial da Infância de 1998 são aterradores: 250 milhões de crianças trabalham. Na América Latina 3 em cada 5 crianças trabalham. Na África, 1 em cada 3. E na Ásia 1 em cada 2. São pequenos escravos a quem se nega a infância, a inocência e o sonho. Não causa admiração se são assassinadas por esquadrões de extermínio nas grandes metrópoles da América Latina e da Ásia.
— Há um descuido e uma ignorância manifestos em relação ao destino dos pobres e marginalizados da humanidade, flagelados pela fome crónica, mal sobrevivendo à atribulação de mil doenças, outrora erradicadas e surgindo actualmente com redobrada virulência.
— Há um descuido e um descaso imensos quanto à sorte dos desempregados e aposentados, sobretudo dos milhões e milhões de excluídos do processo de produção, tidos como descartáveis e zeros económicos. Esses nem sequer ingressam no exército de reserva do capital. Perderam o privilégio de serem explorados a preço de um salário mínimo e de alguma segurança social.
— Há um descuido e um abandono dos sonhos de generosidade, agravados pela hegemonia do neoliberalismo, com o individualismo e a exaltação da propriedade privada que tal comporta. Menospreza-se a tradição da solidariedade. Faz-se pouco dos ideais de liberdade e de dignidade para todos os seres humanos.
— Há um descuido e um abandono crescente da sociabilidade nas cidades. A maioria dos habitantes sentem-se desenraizados culturalmente e alienados socialmente. Predomina a sociedade do espectáculo, do simulacro e do entretenimento.
— Há um descuido e uma falta de atenção pela coisa pública. Organizam-se políticas pobres para os pobres; os investimentos sociais em segurança alimentar, saúde, educação e habitação são, em geral, insuficientes. Há um descuido vergonhoso pelo nível moral da vida pública, marcada pela corrupção e pelo jogo explícito de poder de grupos que chafurdam no pantanal de interesses corporativos.
— Há um abandono da reverência, indispensável para cuidar da vida e da sua fragilidade. A continuar este processo, até meados do século XXI terão desaparecido definitivamente mais de metade das espécies animais e vegetais actualmente existentes. É o que nos informa o conceituado e recente relatório sobre o estado da Terra (The State of Environment Atlas) dos Estados Unidos. Com eles desaparece uma biblioteca de conhecimentos acumulados pelo universo no decurso de 15 biliões de anos de penoso trabalho evolutivo.
— Há um descuido e uma falta de atenção na salvaguarda da nossa casa comum, o planeta Terra. Os solos são envenenados, os ares são contaminados, as águas são poluídas, as florestas são dizimadas, as espécies de seres vivos são exterminadas; um manto de injustiça e de violência pesa sobre dois terços da humanidade. Um princípio de autodestruição está em acção, capaz de liquidar o subtil equilíbrio físico-químico e ecológico do planeta e de devastar a bioesfera.
— Há descuido e falta de atenção generalizada na forma como se organiza a habitação, pensada para famílias minúsculas, obrigadas a viver em habitações insalubres. Milhões e milhões são condenados a viver em bairros de lata e bairros sociais sem qualquer qualidade de vida, sob a permanente ameaça de aluimentos de terra, que fazem em cada ano milhares de vítimas. As formas de vestir de estratos importantes da juventude revelam decadência dos gostos e dos costumes. Recorre-se frequentemente à violência para resolver conflitos interpessoais e institucionais, normalmente superáveis mediante o diálogo e a mútua compreensão. Atulhados de aparatos tecnológicos, vivemos tempos de impiedade e de insensatez. Sob certos aspectos, regredimos à barbárie mais atroz.

Saber Cuidar – Figuras exemplares de cuidado III – L. Boff


FIGURAS EXEMPLARES DE CUIDADO

O modo-de-ser cuidado só convence verdadeiramente quando se transforma em saga na biografia de pessoas e modela situações existenciais.

O CUIDADO DAS NOSSAS MÃES E AVÓS

Existem figuras que concentram e irradiam cuidado de maneira privilegiada: as nossas mães e as mães das nossas mães, as nossas avós. Não precisamos de pormenorizar essa experiência. Ela é fundamental em cada pessoa, pois o primeiro continente que a criança conhece é a sua própria mãe. Ser mãe é mais do que uma função; é um modo-de-ser que engloba todas as dimensões da mulher-mãe, o seu corpo, a sua psique e o seu espírito. Com o seu cuidado e carinho, a mãe continua a gerar os filhos e as filhas durante toda a vida. Mesmo que tenham morrido, sempre permanecerão no seu coração materno. Nos momentos de perigo, são invocadas como referência de confiança e de salvação. É através das mães que cada um aprende a ser mãe de si mesmo, na medida em que aprende a aceitar-se, a perdoar as próprias fraquezas e a alimentar o sonho de um grande útero acolhedor de todos. Representam também o modo de ser mãe as educadoras e os educadores que se devotam ao crescimento humano, mental e espiritual dos educandos, as enfermeiras que cuidam dos seus doentes e tantas outras pessoas que anonimamente se desvelam no cuidado de alguém.

JESUS, UM SER DE CUIDADO

Jesus de Nazaré, ao lado de Buda, é uma das figuras religiosas que mais encarnam o modo-de-ser-cuidado. Revelou à humanidade o Deus-cuidado, experimentando Deus como Pai e Mãe divinos que cuidam de cada cabelo da nossa cabeça, da comida dos pássaros, do sol e da chuva para todos (cf. Mt 5,45; Lc 21,18). Jesus mostrou cuidadoespecial com os pobres, os famintos, os discriminados e os doentes. Enchia-se de compaixão e curava a muitos. Facto inusitado para a época, associou a si várias mulheres como discípulas (Lc 8,2-3). Cultivou um amor terno para com as amigas Marta e Maria (Jo 11,20-28; Lc 10,38-42).
Fez da misericórdia a chave da sua ética. É pela misericórdia que os seres humanos chegam ao Reino da Vida; sem a misericórdia, não há salvação para ninguém (Mt 25,36-41). As parábolas do bom samaritano que mostra compaixão pelo caído na estrada (Lc 10,30-37) e a do filho pródigo acolhido e perdoado pelo pai (Lc 15,11-32) são expressões exemplares de cuidado e de plena humanidade.
Morrendo na cruz, cuida dos ladrões crucificados ao seu lado e cuida de sua mãe, entregando-a aos cuidados do discípulo predilecto João (Jo 19,26-27). Jesus foi um ser de cuidado. O evangelista Marcos diz com extrema finura: “Ele fez bem todas as coisas; fez surdos ouvir e mudos falar.” (Mc 7,37). Teve cuidado com a vida integral.

FRANCISCO DE ASSIS: A FRATERNIDADE DO IRMÃO UNIVERSAL

Na tradição ocidental, Francisco de Assis (1182-1226) é visto como uma figura exemplar de grande irradiação. Tudo na sua vida vem urdido de extremo cuidado com a natureza, os animais, as aves e plantas, os pobres e especialmente com a sua amiga e cúmplice, Clara de Assis. Com fina percepção, sentia o laço de fraternidade e de irmandade que nos une a todos os seres. Ternamente, chama a todos irmãos e irmãs: o Sol, a Lua, as formigas e o lobo de Gubbio. As coisas têm coração. Ele sentia o seu pulsar e nutria veneração e respeito por cada ser, por menor que fosse. Nas hortas, também as ervas daninhas tinham o seu lugar, pois, à sua maneira, elas louvam o Criador.
Os biógrafos do tempo, como os co-irmãos Tomás de Celano e São Boaventura, testemunham o impacto de tanta suavidade. Afirmam que Francisco “resgatou a inocência original”, que “é o homem novo, dado ao mundo pelo céu” e que, finalmente, representa “o evangelista dos novos tempos”. Efectivamente, face às demandas da nossa cultura ecológica mundial, reconhecemos a sua grande actualidade. Somos velhos, ainda aferrados ao modo-de-ser do trabalho-dominação-agressão da natureza. São Francisco, no entanto, é verdadeiramente alternativo pelo seu radical modo de ser-cuidado com respeito, veneração e fraternidade para com todas as coisas.
Num pergaminho do convento do Monte Alverne, onde recebeu no seu corpo os sagrados estigmas, conservou-se o seu último adeus às criaturas. Estava extremamente doente e prestes a morrer. Despede-se de Frei Masseo, do irmão rochedo e do irmão falcão. Por fim diz: “Io mi parto da voi con la persona, ma vi lascio il mio cuore”, quer dizer, “eu me aparto de vós como pessoa, mas deixo-vos o meu coração.” Com efeito, o coração de Francisco significa um estilo de vida, a expressão genial do cuidado, uma prática de confraternização e um renovado encantamento pelo mundo. Recriar esse coração nas pessoas e resgatar a cordialidade (cor coração em latim) nas relações poderá suscitar no mundo actual o mesmo fascínio pela sinfonia do universo e o mesmo cuidado com a irmã e mãe Terra, como foi paradigmaticamente vivido por S. Francisco.

MADRE TERESA DE CALCUTÁ: O PRINCÍPIO MISERICÓRDIA

Com certeza um dos arquétipos vivos do cuidado essencial é a religiosa católica Madre Teresa de Calcutá (1910-1997). Nascida na Albânia, trabalhou a partir de 1928 na Índia como missionária e professora num semi-internato. Tudo corria no ritmo normal de uma escola, quando, em 1946, viajando de comboio, disse ter escutado uma voz clara que lhe ordenava deixar o convento para ajudar os pobres, vivendo no meio deles. Entendeu-a como chamamento divino. Efectivamente, aos 38 anos de idade, saiu do mosteiro, trocou o seu pesado hábito negro por um prático e barato sari de algodão. Foi morar na periferia miserável de Calcutá, num casebre, vivendo à base de arroz e sal como os pobres, servindo os pobres. À medida que foram chegando seguidoras, fundou a Ordem das Missionárias da Caridade. Além dos três votos de pobreza, obediência e castidade, ela impôs-se um quarto: “Dedicar-se de todo coração e livremente ao serviço dos mais pobres dos pobres.”
Em Calcutá há milhares e milhares de miseráveis que nascem, vivem e morrem na rua. Madre Teresa cuidou logo de fundar a Casa dos Moribundos. Recolhia-os das ruas e levava-os para que pudessem morrer com dignidade. Começava assim uma obra de compaixão e misericórdia que se estendeu por muitas cidades da Índia, do Paquistão e de outros países, sempre com o fito de conferir dignidade e humanidade aos que iam morrendo.
A Ordem das Missionárias da Caridade cultiva um carisma, ligado directamente à ternura vital, o carisma de tocar as pessoas na sua pele, nos seus corpos e nas suas chagas. “Toca-os, lava-os, alimenta-os”, insistia Madre Teresa com as suas irmãs e os muitos voluntários que de todo o mundo acorriam para ajudar em suas obras. Outras vezes dizia: “Dá Cristo ao mundo, não o mantenhas para ti mesma e, ao fazê-lo, usa as tuas mãos.” A sua biógrafa, Anne Sebba, comenta: “A capacidade de tocar, com as suas implicações mais amplas, é especialmente importante na Índia, onde o conceito de “intocabilidade” é tão real; este é o verdadeiro espírito missionário em acção; é mais importante tocar que curar.” A mão que toca, cura porque leva carícia, devolve confiança, oferece acolhimento e manifesta cuidado. A mão faz nascer a essência humana naqueles que são tocados.
Em 1979 ganhou o Prémio Nobel da Paz. Deu-lhe o verdadeiro sentido: “Aceito o prémio em nome dos pobres… O prémio é um reconhecimento do mundo dos pobres.”

MAHATMA GANDHI: A POLÍTICA COMO CUIDADO COM O POVO


Uma figura que impressionou todo o século XX é seguramente Gandhi (1869-1948). Nascido na Índia, formou-se em Direito em Londres e trabalhou por mais de 20 anos na África do Sul (1893- 1915) defendendo os imigrantes indianos, vítimas da segregação racial. Em África, entrou em contacto com os ideais anunciados pelo grande escritor russo, Leon Tolstoi (1883-1945), autor dos famosos romances Guerra e Paz e Anna Karenina. Este via a essência da mensagem de Jesus no Sermão da Montanha, no amor, na recusa de toda a violência, na veneração aos pobres e no compromisso com uma vida simples. Tais ideias impressionaram profundamente Gandhi e ajudaram-no a formular a sua própria visão da não-violência e da actuação política como cuidado com o povo. Chegou a fundar uma comunidade rural “Tolstoi”, onde tentou viver esses ideais com outros amigos.
De volta à Índia, entregou-se à tarefa de organizar o povo contra a dominação inglesa. Começou por pregar o boicote aos produtos ingleses, especialmente aos tecidos. Incentivou o retomar da tradição familiar de tecer as roupas em casa. Convocou à desobediência civil. Foi preso inúmeras vezes. Famosa ficou a Marcha para o Mar em 1930. Por um decreto dos colonizadores, os indianos não poderiam comprar sal, a não ser aquele monopolizado pelos ingleses. Gandhi mobilizou milhares e milhares de pessoas que caminharam em direcção ao mar, para dele extrair o sal de que precisavam. Foi preso, mas conseguiu a liberação completa do sal.
Gandhi definia a política como “um gesto amoroso para com o povo”. Por outras palavras, política como cuidado com o bem-estar de todos e ternura essencial para com os pobres. Ele mesmo confessa: “Entrei na política por amor à vida dos fracos; morei com os pobres, recebi os párias como hóspedes, lutei para que tivessem direitos políticos iguais aos nossos, desafiei os reis, esqueci-me das vezes em que estive preso.”
Dois princípios básicos norteavam a sua prática: a força da verdade (satiagra) e a não-violência activa (ahimsa). Acreditava profundamente que a verdade possui em si uma força invencível contra a qual são inócuas as manipulações, as violências, as armas e as prisões. Tinha profunda convicção de que, por detrás dos conflitos, existe uma verdade latente a ser identificada. A função do político é crer nesta verdade, trazê-la à tona para todos e agir em coerência com ela, mostrando-se disposto a suportar os sacrifícios que tal postura comporta. Acreditava firmemente que a verdade, embora tardia, sempre venceria.
A crença na força da verdade levou-o à não-violência activa (ahimsa), que não significa cruzar os braços, mas usar todos os meios pacíficos para alcançar os objectivos almejados. Importa que os meios e os fins tenham a mesma natureza. Fins bons requerem meios bons. Pratica-se a não-violência activa, por exemplo, ocupando ruas, organizando manifestações multitudinárias, fazendo jejuns e preces, e oferecendo o próprio corpo para deter a violência.
Gandhi elaborou um pequeno credo em forma de oração, recitado todos os dias: “Não terei medo de ninguém sobre a terra. Temerei apenas a Deus. Não terei má vontade para com ninguém. Não aceitarei injustiças de ninguém. Vencerei a mentira pela verdade. E, na minha resistência à mentira, aceitarei qualquer tipo de sofrimento.”
Gandhi era profundamente religioso. Conhecia o cristianismo a fundo e tinha grande veneração por Jesus. Mas continuou na sua religião indiana, pois acreditava que todas as religiões, no seu coração, captam e expressam a mesma verdade divina. Tinha profunda convicção de que a prece e o jejum podiam modificar situações políticas. Por isso, sempre que havia algum impasse político maior, punha-se em prece e jejum por semanas. Convocava as multidões a praticar o mesmo. Fazia tremer o Império Britânico e demovia as forças contrárias.
Possuía um profundo cuidado para com todos os seres. Como um mandamento pregava: “Amarás a mais insignificante das criaturas como a ti mesmo. Quem não fizer isto jamais verá a Deus face a face.”

CONCLUSÃO

O CUIDADO E O FUTURO DOS ESPOLIADOS E DA TERRA

A categoria cuidado mostrou-se a chave decifradora da essência humana. O ser humano possui transcendência e por isso viola todos os tabus, ultrapassa todas as barreiras e contenta-se apenas com o infinito. Ele possui algo de Júpiter dentro de si; não sem razão, pois dele recebeu o espírito.
O ser humano possui imanência e por isso se encontra situado num planeta, enraizado num local e plasmado dentro das possibilidades do espaço-tempo. Ele tem algo da Tellus/Terra dentro de si; é feito de húmus, donde deriva a palavra “homem”.
O ser humano encontra-se sob a regência do tempo. Este não significa um puro correr, vazio de conteúdos. O tempo é histórico, feito pela saga do universo, pela prática humana, especialmente pela luta dos oprimidos, em busca da sua vida e libertação. Constrói-se passo a passo; por isso, é sempre concreto, concretíssimo. Mas, simultaneamente, o tempo implica um horizonte utópico, promessa de uma plenitude futura para o ser humano, para os excluídos e para o cosmos. Somente buscando o impossível se consegue realizar o possível. Em razão dessa dinâmica, o ser humano possui algo de Saturno, senhor do tempo e da utopia.
Mas não basta suster tais determinações. Elas, na verdade, dilaceram o ser humano. Colocam-no distendido e crucificado entre o céu e a terra, entre o presente e o futuro, entre a injustiça e a luta pela liberdade.
Que alquimia forjará o elo entre Júpiter, Tellus/Terra e Saturno? Que energia articulará a transcendência e a imanência, a história e a utopia, a luta pela justiça e a paz, para que construam o humano plenamente?
É o cuidado que enlaça todas as coisas; é o cuidado que traz o céu para dentro da terra e coloca a terra dentro do céu; é o cuidado que fornece o elo de passagem da transcendência para a imanência, da imanência para a transcendência e da história para a utopia. É o cuidado que confere força para buscar a paz no meio dos conflitos de toda a ordem. Sem o cuidado que resgata a dignidade da humanidade condenada à exclusão, não se inaugurará um novo paradigma de convivência.
cuidado é anterior ao espírito (Júpiter) e ao corpo (Tellus). O espírito humaniza-se e o corpo vivifica-se quando são moldados pelo cuidado. Caso contrário, o espírito perde-se nas abstracções e o corpo confunde-se com a matéria informe. O cuidado faz com que o espírito dê forma a um corpo concreto, dentro do tempo, aberto à história e dimensionado para a utopia (Saturno). É o cuidado que permite a revolução da ternura, ao tornar prioritário o social sobre o individual e ao orientar o desenvolvimento para a melhoria da qualidade de vida dos humanos e de outros organismos vivos. O cuidado faz surgir o ser humano complexo, sensível, solidário, cordial, conectado com tudo e com todos no universo.
cuidado imprimiu a sua marca registada em cada porção, em cada dimensão e em cada dobra escondida do ser humano. Sem o cuidado o humano far-se-ia inumano.
Tudo o que vive precisa de ser alimentado. Assim, o cuidado, a essência da vida humana, precisa também de ser continuamente alimentado. As ressonâncias do cuidado são a sua manifestação concreta nos vários aspectos da existência e, ao mesmo tempo, o seu alimento indispensável. O cuidado vive do amor primordial, da ternura, da carícia, da compaixão, da convivialidade, da medida justa em todas as coisas. Sem cuidado, o ser humano, como um tamagochi, definha e morre.
Hoje, na crise do projecto humano, sentimos a falta clamorosa de cuidado em toda a parte. As suas ressonâncias negativas evidenciam-se pela má qualidade da vida, pela penalização da maioria empobrecida da humanidade, pela degradação ecológica e pela exaltação exacerbada da violência.
Não busquemos o caminho da cura fora do ser humano. O ethos está no próprio ser humano, entendido na sua plenitude que inclui o infinito. Ele precisa de se voltar para si mesmo e de redescobrir a sua essência, que se encontra no cuidado. Que o cuidadoaflore em todos os âmbitos, que penetre na atmosfera humana e que prevaleça em todas as relações! O cuidado salvará a vida, fará justiça ao empobrecido e resgatará a Terra como pátria e mátria de todos nós.


Fonte:http://contadoresdestorias.wordpress.com/2007/07/04/saber-cuidar-etica-do-humano-%E2%80%93-compaixao-pela-terra-l-boff/

Comentários

  1. Abordagem maravilhosa, mostra como a ética está entranhada no cuidado com vida.

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