MUITO ALÉM DA ESTÉTICA : CONSUMO CONSCIENTE TAMBÉM ESTÁ NA DECORAÇÃO


Sem abrir mão da originalidade: são cada vez mais comuns ambientes com soluções ambiental, econômica e socialmente viáveis
Muito além da estética: consumo consciente também está na decoração

Uso crescente de produtos reciclados na decoração confirma tendência do consumo verde e gera boas oportunidade de negócios
Com a devida licença ao famoso provérbio popular, mas “diga-me com o que decoras e te direi quem és” é tão verdadeiro quanto a versão original. As escolhas dos produtos que compõem a decoração de um ambiente dizem muito sobre a personalidade de quem faz uso daquele espaço. Pensar além da questão estética e reconhecer nos objetos valores que fazem parte do seu dia a dia é um dos principais pilares do design sustentável. 

É cada vez mais comum a busca por soluções ambiental, econômica e socialmente viáveis, mas isso não quer dizer abrir mão do conforto, da beleza e da originalidade. Com a ajuda de profissionais bem qualificados e antenados, é possível optar por tecnologias que reduzam o uso de energia, garimpar produtos originados de matéria-prima local ou resgatar da boca do lixo sobras de tecidos e papéis que podem se transformar em adornos exclusivos. 


A arquiteta e designer de interiores Valéria Alves trabalha com objetos que foram transformados ou produzidos a partir de uma base sustentável. Para ela, seus projetos se destacam justamente pela funcionalidade aliada à decoração, sem esquecer de valorizar a identidade do cliente e o seu estilo de vida. “É importante ressaltar que não se trata de uma decoração simples apenas pelo fato de ser feita, por exemplo, com materiais alternativos. É algo que está presente em mostras de design que ditam tendências no mundo todo”, explica Valéria.

Com conhecimento, habilidade e bom gosto, é possível transformar papéis de jornais e revistas em tapetes e revestimentos de móveis e paredes. Sobras de linhas, com criatividade, podem colorir garrafas decorativas, ao passo que pedaços de tecidos viram patchwork para almofadas, colchas e cabeceiras de camas. “Um dos trabalhos mais interessantes que vi recentemente foi uma estrutura de pufe feita com garrafas PET. Materiais que antes não eram tão bem vistos receberam novas conotações. A fibra de bambu, que antes tinha um toque muito duro, é hoje confortável e pode revestir sofás com o processo de dublagem, em que outro tecido é aplicado no lado avesso para deixá-lo mais encorpado e resistente”.

O bambu, aliás, tem ganhado lugar de maior destaque não só como acessório, mas também como material para paredes de vedação, com vida útil razoavelmente longa. No quesito móveis, a madeira de demolição, que foi uma espécie de precursora da decoração sustentável, continua sendo bastante procurada. Valéria explica que uma boa estratégia é aliar móveis rústicos com outros mais contemporâneos para criar um belo contraste. “Além disso, móveis mais antigos, feitos de madeira maciça, são hoje bem valorizados e podem ser reaproveitados com técnicas de restauração simples ou de marchetaria, que é incrustar madeiras de tons diferentes para criar desenhos e formas.”


Se a intenção é tornar a decoração mais “verde”, que tal incluir a cor em sua forma mais original? Os jardins verticais, também conhecidos como ecoparedes, são um alento para os dias mais cinzas e um verdadeiro deleite visual e olfativo. Em alguns casos, eles são transformados em pequenas hortas, com cultivo até de ervas medicinais, numa solução bacana para a falta de espaço e a umidade do ambiente.

Romário Elias Carvalho, diretor da Carvalho Engenharia, empresa especializada em soluções sustentáveis – como telhado verde, ecopavimento e brise vegetal –, explica que os jardins verticais podem ser instalados em qualquer ambiente, sobre vários tipos de superfície e sem a necessidade de quebradeira. “A engenharia da ecoparede, composta por uma estrutura de metal chamada cremalheira e floreiras de plástico, independe do ambiente, mas o tipo de vegetação vai ser influenciado pela claridade e ventilação local”, diz. 

Pelo fato de os jardins serem hidropônicos, ou seja, não necessitarem de terra nem substrato, só de água, plantas como suculentas e cactáceas não são as mais indicadas. Porém, há uma lista enorme das que se adaptam muito bem, como samambaia, bromélia e renda portuguesa. Diferentes espécies podem, e devem, ser misturadas em uma mesma ecoparede, mas um mix muito distinto de vegetação pode exigir cuidados com o crescimento. “Fora essa atenção específica, a manutenção é muito fácil, o processo de irrigação é todo automático.” A média de custo é de R$ 700 por m² de ecoparede, que pode ser usada em fachadas e paredes internas.

A atenção dispensada à escolha dos itens de decoração de uma casa ou escritório deve ser voltada também para a procedência dos objetos. Para serem de fato sustentáveis, todo o processo, desde a concepção até o desenvolvimento dos produtos, deve ser permeado por três critérios: ser includente do ponto de vista social, sustentável do ponto de vista ecológico e sustentado do ponto de vista econômico.

Romário Elias, diretor da Carvalho Engenharia, em frente a uma ecoparede: "Os jardins verticais podem ser instalados em qualquer ambiente"


Grandes empresas fabricantes de mobiliário estão atentas a essa demanda que, cada vez mais, parte do próprio público consumidor. Glauciene Saraiva Duarte, designer e coordenadora de produtos da Lider Interiores, explica que a preocupação começa bem antes de o móvel ser materializado. “Entre as nossas principais atitudes está o uso de madeiras reflorestadas e a coleta de resíduos no ar das nossas cabines de pintura e lixação. Além disso, todas as embalagens que usamos são retornáveis e recicladas, e as colas são feitas à base de água.”




Não é todo mundo que tem acesso a esse tipo de informação. Por isso, também faz parte da tarefa do profissional de design promover a visibilidade das práticas sustentáveis e inseri-las de acordo com as necessidades do usuário. 

Lia Krucken, pós-doutora em design e professora da disciplina de mestrado Design para Sustentabilidade da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), explica que um produto ou serviço que compramos e usamos é resultado de um conjunto de atividades e escolhas, conscientes ou não, que foram valorizadas por uma verdadeira rede de atores. “É preciso entender que tudo o que adquirimos envolve o uso de recursos da biodiversidade próprios de um determinado território”, afirma. Um produto, segundo essa perspectiva, é resultado da qualidade desses recursos, da forma como são geridos e da capacidade do sistema produtivo de valorizar a identidade local.

Portanto, trata-se de uma questão que ultrapassa o design de interiores. “Mais que um objeto de decoração, as escolhas estão relacionadas a valores que as pessoas acreditam e adotam nas suas vidas. Nesse sentido, é possível identificar uma dimensão muito mais comportamental”, afirma a professora.




Para Lia, o design deve buscar formas de mostrar à sociedade a história por trás dos produtos. “Contar essa história significa comunicar elementos históricos, culturais e sociais que possibilitem ao consumidor avaliar e apreciar o produto de forma mais ampla, considerando, por exemplo, os serviços ambientais embutidos nele. Isso pode contribuir para a adoção e valorização de práticas sustentáveis na produção, comercialização e consumo.”


Mapa das iniciativas sustentáveis
Alunos do mestrado em Design, Inovação e Sustentabilidade da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), coordenados pela professora Lia Krucken, estão desenvolvendo o mapeamento de iniciativas sustentáveis em Belo Horizonte. São ações promovidas por cidadãos e empresas privadas e públicas que se associaram na busca por soluções para problemas urbanos ou no desenvolvimento de novas oportunidades de desenvolvimento econômico local.

A pesquisa visa a possibilitar a divulgação de experiências que possam inspirar ideias e novos negócios sustentáveis, que equilibrem três dimensões principais: ambiental, econômica e social. As iniciativas estão relacionadas a esferas como trabalho, alimentação, educação, mobilidade, reciclagem, lazer e uso de espaço público. Para obter mais informações ou enviar sugestões, o e-mail do projeto é %u2028iniciativassustentaveis@gmail.com.

Matéria publicada na Edição Especial "A sustentabilidade do Futuro", da Revista Encontro ed.132

Fonte:http://www.em.com.br/app/noticia/especiais/rio-mais-20/economia-verde/

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