AMAZÔNIA EM CHAMAS : A MORTE DO CACIQUE IVAN TEHARIM É PARTE DE UM ROLO COMPRESSOR ANTI-INDÍGENA

Amazônia em chamas

A morte do cacique Ivan Tenharim é parte de um rolo compressor anti-indígena 

Na segunda-feira 3, a Polícia Federal localizou três corpos no trecho da Transamazônica que corta a reserva indígena dos Tenharim, em Humaitá, no Amazonas. Eram de três homens desaparecidos na região desde meados de dezembro. Antes mesmo de concluir as buscas, os investigadores já tinham uma conclusão. As vítimas foram sequestradas e assassinadas por índios em retaliação à morte do cacique Ivan Tenharim, de 55 anos.
Um inquérito concluiu que o indígena morreu em acidente de moto, mas as tribos locais não concordaram com a versão e teriam se vingado. Desde a quinta-feira 27, estão presos Gilvan e Gilson, filhos do falecido cacique Ivan; Domiceno, líder da aldeia Taboca; Valdinar e Simião, da aldeia Marmelos. O episódio está esclarecido, ao menos para quem acredita tratar-se de um simples caso de polícia. As raízes do conflito são, porém, mais profundas.
Erguida no entroncamento da Transamazônica com a BR 319, que liga Porto Velho a Manaus, a cidade de Humaitá registra conflitos entre índios e colonos desde o início do século XX, quando as violentas expedições do ciclo da borracha quase dizimaram os índios Parintintin. A partir dos anos 1940, surgiram as primeiras levas de garimpeiros na região. Com a abertura da Transamazônica, no início dos anos 1970, o fenômeno se intensificou. A região passou a abrigar extração ilegal de madeira, inclusive nas terras indígenas demarcadas a partir dos anos 1990.
No mais recente episódio de Humaitá, a população local apressou-se, contudo, a apresentar seu bode expiatório: Ivã Bocchini, então coordenador regional da Funai no Madeira. Foi o servidor quem alertou as autoridades sobre o risco de recrudescimento dos conflitos após a morte do cacique Ivan Tenharim. Acabou vítima de uma campanha ferroz na internet, acusado de incitar a vingança dos índios por pedir, em texto publicado num blog da Funai, a investigação das circunstâncias da morte do líder indígena e levantar a hipótese de homicídio.
“O texto visava dar voz aos índios, uma obrigação de qualquer indigenista. Simultaneamente, agi como administrador, dentro de minha atribuição, e enviei ofícios para as autoridades policiais competentes solicitando investigação sobre a morte de Ivan Tenharim, já que as circunstâncias do acidente de moto eram desconhecidas”, afirma o servidor em entrevista aCartaCapital. “Nunca afirmei que o cacique foi assassinado, como dizem por aí. Tampouco contrariei a polícia, já que naquele momento sequer havia sido aberto inquérito policial”.
Bocchini foi exonerado do cargo, mas a Funai esclarece que o afastamento deu-se por questões de segurança. “Com o acirramento do conflito, precisávamos assegurar a integridade dele e dos demais servidores”, explica a presidente do órgão, Maria Augusta Assirati. “Não podemos culpá-lo pela violência na região. Ao contrário, ele sempre desempenhou um trabalho impecável”.
Após o desaparecimento dos três homens brancos na terra dos Tenharim, grupos armados incendiaram casas da aldeia indígena e destruíram as instalações da Funai. O prédio da sede regional foi consumido pelas chamas, assim como carros e um barco do órgão estatal. A polícia, tão célere na prisão dos índios acusados pelos homicídios, até agora não apresentou à Justiça os responsáveis pelos ataques.
Para a presidente da Funai, os ataques têm relação com o aumento da fiscalização em terras indígenas. Nos últimos sete anos, foram realizadas 22 operações na região contra a exploração ilegal de madeira e a pesca predatória, várias delas com o apoio do Ibama e da Polícia Federal. Os investimentos em fiscalização quadruplicaram desde 2009, atingindo a média atual de 350 mil reais por ano. “O cerco aos madeireiros incomodou muita gente.”
O melancólico desfecho do conflito entre indígenas e colonos brancos em Humaitá virou arma na mão dos grupos que lutam contra as demarcações de terras e as políticas específicas para índios. No site Canal do Produtor, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária, não perdeu a oportunidade de atacar a Funai e questionar os “privilégios” da população indígena. “Os Tenharim são uma prova viva da ficção ideológica na qual vive a Funai. O cacique morreu em um acidente de moto, veículo que as famílias da aldeia têm na porta da frente. Todas as moradias possuem internet e muitos dos indígenas vivem e trabalham nas cidades da região”, argumentou a parlamentar, para quem os índios não precisam de mais terras tampouco da Funai. Bastariam os programas sociais que o governo federal oferece ao conjunto da população, como o Bolsa Família e incentivos para a agricultura.
Fazendo coro para a bancada ruralista, o geógrafo Demetrio Magnoli usou sua coluna na Folha de S.Paulo para questionar a identidade indígena de quem mora em casas com eletricidade e torce para o Flamengo. “Redefinir-se como indígena tornou-se uma estratégia destinada a obter segurança fundiária, cotas preferenciais e privilégios extraordinários”, conclui.
O discurso serve aos interesses dos proprietários de terra que se sentem ameaçados com a expansão dos territórios indígenas. Segundo o Censo de 2010, o Brasil tem pouco mais de 500 terras indígenas, que somam 106,7 milhões de hectares, o equivalente a 12,5% do território brasileiro. Nessas reservas, vivem mais de 517 mil indivíduos. Restam, porém, 379,5 mil indígenas sem terra.
A Constituição assegura a eles o direito de ter suas terras reconhecidas e reservadas para usufruto exclusivo. Mas o processo de demarcação pode demorar mais de 20 anos, a depender das idas e vindas na burocracia estatal. Para complicar o cenário, o Ministério da Justiça apresentou um projeto de lei que prevê a consulta a nove diferentes ministérios em novos processos de demarcação.
“Na prática, a medida só cria mais obstáculos”, critica o indigenista André Villas-Bôas, secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA). A ideia de extinguir as políticas específicas para índios, em troca dos programas sociais mais abrangentes, desperta profunda irritação no especialista: “Qual é o sentido do Bolsa Família para uma comunidade indígena que teria de viajar mais de uma semana para sacar o benefício?”
De fato, parece uma insensatez desconsiderar a diversidade dos povos indígenas na formulação de políticas públicas. O Brasil possui mais de 300 etnias que falam 274 idiomas diferentes. Há povos nômades, sedentários, etnias recém-contatadas e até mesmo 32 povos isolados. “Não dá para oferecer as mesmas políticas para todos sem levar em conta as diferenças culturais entre eles”, emenda Márcio Meira, antropólogo e ex-presidente da Funai. “Também é risível dizer que o índio deixa de ser índio porque usa relógio ou celular. É tão descabido como dizer que um judeu não é mais judeu se não preservar suas tradições.”
Mas mesmo as etnias que já possuem terras demarcadas não estão imunes à cobiça. Além da atuação ilegal de madeireiros e garimpeiros em aldeias, dezenas de projetos tramitam no Congresso para permitir a exploração de atividades econômicas nas reservas, de atividades de mineração ao arrendamento de terras para o agronegócio. “A justificativa é sempre a mesma. Os índios não geram riqueza. Ignoram a contribuição deles para preservação ambiental”, diz a presidente da Funai, ora engajada no processo de desintrusão da terra indígena Awá-Guajá, no Maranhão.
Homologada por decreto presidencial em 2005, a reserva sofre com a extração ilegal da madeira e já teve 34% de sua cobertura vegetal derrubada. “Precisamos cumprir a lei e retirar os não-indígenas de lá. Acusam-nos de deixar pequenos produtores à míngua, mas eles serão encaminhados a assentamentos pelo Incra. Os únicos prejudicados serão os que lucravam com a ilegalidade.”

por Rodrigo Martins — publicado 09/02/2014 08:44

Fonte:http://www.cartacapital.com.br/revista/786/amazonia-em-chamas-9117.html

Comentário:

"o genocídio dos nossos indígenas não foi devidamente tratado pelo conjunto da sociedade por causa da falta de transparência da grande mídia conservadora venal e golpista que tem laços com o capital, que patrocina o genocídio indígena. mas, também, o que achar dessa gente que prega alegremente o linchamento de jovens pobres e negros em plena via urbana, motivados por interesses de uma oligarquia com laços oriundos das elites sionistas genocidas, quanto mais os nossos antepassados indígenas e seus descendentes contemporâneos. é lastimável"Kelvin

Amazonas: levante popular anti-indígena

27 de dezembro de 2013   

090214 chamas
Humaitá em chamas! – sobre o atual conflito em curso e a posição do Estado brasileiro. 
Por Djalma Nery
Neste exato instante, a cidade de Humaitá, no extremo sul do estado do Amazonas, vive um intenso conflito. Como de costume, praticamente toda a informação a respeito desta situação disponível na internet e nos meios de comunicação não dá conta de sua complexidade e tampouco explicita o pano de fundo e as motivações dos fatos que se desenrolam.
Primeiro acompanhe uma breve cronologia dos fatos que levaram à conflagração de um conflito de imensas proporções.
Nos últimos dias os Tenharim foram surpreendidos com a controversa morte de seu cacique Ivan Tenharim. Ele foi encontrado desacordado e ferido próximo à Transamazônica, foi levado ao hospital e não resistiu. As causas de sua morte ainda não foram averiguadas, o que tem gerado profunda indignação entre os indígenas, já acostumados com o descaso do governo brasileiro em relação às suas questões. Após esta fatalidade, uma sucessão de fatos igualmente estranhos levou a um conflito sem precedentes na cidade de Humaitá.
Correm rumores do desaparecimento, desde o dia 16 de Dezembro, de três homens no KM 123 no trecho da BR – Transamazônica, que atravessa a Terra Indígena (TI) Tenharim. Um servidor da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) conversou com as lideranças indígenas, repassando o que estava acontecendo na cidade e as acusações que pesavam contra eles. Nas duas vezes os índios negaram qualquer envolvimento sobre os desaparecidos e ainda disseram que as aldeias estavam abertas para averiguação, buscas e investigação por parte da Polícia Federal (PF) ou do Exército.
A população saiu às ruas exigindo maior participação da PF para a busca e localização dos desaparecidos que, segundo eles, encontram-se na Terra Índigena dos Tenharins.
Porém, ao invés de um protesto legítimo, o que de fato está ocorrendo é um estado de terror, possivelmente financiado pelos madeireiros, já que, muitas vezes, órgãos como a FUNAI e a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) se colocam como empecilhos aos interesses escusos desses.
Há dois dias servidores da FUNAI e a população de Humaitá pedem apoio e ajuda da PF para conter as ações dos populares, que, sem nenhum impedimento, já atearam fogo em carros, barcos e no prédio da FUNAI e da FUNASA entre os dias 25 e 26 de Dezembro. 11 carros e 2 barcos das FUNAI foram queimados, assim como sua sede, a Casa do Índio e a Casa da Saúde do Índio – todas engolidas pelas chamas e saqueadas sem que a Polícia Militar (PM) impedisse.
Esta ação coloca em risco a vida de diversos moradores da cidade, que residem próximo aos locais incendiados, dos servidores da FUNAI, que neste momento se encontram escondidos em casas de conhecidos, temendo possíveis ataques dos manifestantes e de diversos indígenas da etnia Tenharim.
É importante sabermos que esse conflito oculta interesses econômicos e políticos disfarçados de comoção popular legítima. Não se trata apenas de três pessoas desaparecidas, mas sim de um longo conflito entre uma cultura ocidental, civilizatória e desenvolvimentista, e a existência indígena que, objetivamente, dificulta ou atrasa a realização de interesses do modo de produção capitalista. O agronegócio agradece a cada vez que indígenas se enfraquecem.
Humaitá é uma zona de intensos conflitos com madeireiros, que procuram extrair ilegalmente madeira de áreas protegidas (ou terras indígenas) para comercializá-las. São esses mesmos madeireiros que possuem o poder econômico (e portanto político) na região e, como sabemos, conseguem fazer com que seus interesses sejam levados a cabo. Há indícios de que justamente esses indivíduos estejam se aproveitando da comoção popular para patrocinar o caos, do qual se beneficiam, acirrando o ódio e incendiando os ânimos –assim os manifestantes (que têm sua razão para estar insatisfeitos) são utilizados como massa de manobra para favorecer interesses de uma elite. Afirma-se até que boa parte da gasolina que vem sendo utilizada aos montes esteja sendo paga por eles ou seus representantes, que não concordam, entre outras coisas, com os pedágios das terras indígenas, e se organizam para combatê-los com todo o tipo de recurso.
A PM e a PF, compactuando com esse ódio étnico, vêm sendo claramente negligentes, afirmando até mesmo que não é a primeira vez que os índios “causam” uma situação como essa e que até mesmo merecem a represália que vêm sofrendo. Desde que o cacique Ivan foi morto, há mais de 15 dias, a PF nem mesmo foi até a TI averiguar, simplesmente deixando a coisa acontecer; eles se mexeram apenas quando desapareceram homens brancos. O Estado brasileiro está sendo conivente; índios, cidadãos e servidores da FUNAI estão em perigo e não são tomadas as medidas necessárias para divulgar corretamente o que ocorre e conter a violência que se alastra de maneira completamente irresponsável. Até as 14h30 do dia 26 de Dezembro, não havia aparecido sequer uma viatura da PM para fazer prontidão à porta da FUNAI; dezenas de pessoas mexeram na cena do crime, tiraram fotos e pegaram o que quiseram do local, e após quase um dia inteiro de distúrbios é que a polícia decide comparecer ao local.
Não se trata de defender ou atacar indígenas, mas de denunciar a negligência do Estado e dos meios de comunicação brasileiros, prontos a defender os interesses daqueles que os mantêm: industriais, fazendeiros e a burguesia, passando por cima de populações desfavorecidas e/ou marginalizadas.
Precisamos furar esse bloqueio midiático e pressionar o Estado para que haja rapidamente. Centenas de indígenas estão ameaçados apenas por serem indígenas e muitos deles estão sendo conduzidos ao Batalhão de Infantaria do Exército para que possam ser protegidos. Servidores da FUNAI têm sua vida em risco por serem identificados como protetores dos índios.
Por favor, passe esse texto adiante, divulgue essa situação, entre em contato com quaisquer pessoas que você conhecer e que possam ajudar a mobilizar esforços para reverter essa situação calamitosa em curso.
Temos que colocar isso a limpo e no foco das notícias.
Há vidas em risco nesse exato instante. Contamos com toda ajuda.
Fonte:http://passapalavra.info/2013/12/89942

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