NOSSOS ÍNDIOS,SERÁ QUE ALGO MUDOU ?

Indio Yanomami por Antonio Cunha (1990)

Nossos Índios, será que algo mudou?


CARTA DE SÃO LUIS DO MARANHÃO


Nós representantes indígenas no Brasil pluriétnico onde vivem 220 povos, falando 180 línguas distintas entre si, com uma população de 360 mil indígenas, ocupando 12% do território brasileiro, reunidos na cidade de São Luís do Maranhão, de 04 a 06 de dezembro de 2001, para discutir o tema “A Sabedoria e a Ciência do Índio e a Propriedade Industrial”, convidados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), declaramos:
1. Que nossas florestas têm se mantido preservadas graças aos nossos conhecimentos milenares;
2. Como representantes indígenas, somos importantes no processo da discussão sobre o acesso à biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais conexos porque nossas terras e territórios contém a maior parte da diversidade biológica no mundo, cerca de 50%, e que têm um grande valor social, cultural, espiritual e econômico. Como povos indígenas tradicionais que habitam diversos ecossistemas, temos conhecimento sobre o manejo e o uso sustentável desta diversidade biológica. Este conhecimento é coletivo e não é uma mercadoria que se pode comercializar como qualquer objeto no mercado.
Nossos conhecimentos da biodiversidade não se separam de nossas identidades, leis, instituições, sistemas de valores e da nossa visão cosmológica como povos indígenas;
3. Recomendamos ao Governo do Brasil que abra espaço para que representação das comunidades indígenas possam participar no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético;
4. Recomendamos ao Governo Brasileiro que regulamente por lei o acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais e conexos, discutindo amplamente com as comunidades e organizações indígenas;
5. Nós representantes indígenas, expressamos firmemente aos governos e aos organismos internacionais nosso direito à participação plena nos espaços de decisões nacionais e internacionais sobre biodiversidade e conhecimentos tradicionais como na Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), na Comissão das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, na Organização Mundial do Comércio (OMC), no Comitê Intergovernamental de Propriedade Intelectual relativo a Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Folclore da OMPI, entre outros organismos
6. Recomendamos que os países aprovem o Projeto de Declaração da ONU sobre Direitos Indígenas;
7. Como representantes indígenas, afirmamos nossa oposição a toda forma de patenteamento que provenha da utilização dos conhecimentos tradicionais e solicitamos a criação de mecanismos de punição para coibir o furto da nossa biodiversidade;
8. Recomendamos a criação de um fundo financiado pelos governos e gerido por uma organização indígena que tenha como objetivo subsidiar pesquisas realizadas por membros das comunidades;
9. Recomendamos ao Governo Federal a criação de cursos de capacitação e treinamento de profissionais indígenas na área dos direitos dos conhecimentos tradicionais;
10. Recomendamos que seja realizado um II Encontro de Pajés sobre a Convenção da Diversidade Biológica e Conhecimentos Tradicionais;
11. Recomendamos que seja assegurado a criação de um Comitê Indígena para o acompanhamento dos processos de discussão e planejamento da produção dos Conhecimentos Tradicionais;
12. Recomendamos que o governo adote uma política de proteção da biodiversidade e sociodiversidade destinada ao desenvolvimento econômico sustentável dos povos indígenas. É fundamental que o governo garanta recursos para as nossas comunidades desenvolverem programas de proteção dos conhecimentos tradicionais e preservação das espécies in situs ;
13. Até que o Congresso Nacional brasileiro aprove o projeto de lei 2057/91 que institui o Estatuto das Sociedades Indígenas parado na Câmara dos Deputados, há mais de 10 anos, e a ratificação da Convenção 169 da OIT, parado no Senado há 8 anos e, já aprovado pela Câmara dos Deputados, propomos que os povos indígenas discutam a necessidade do estabelecimento de uma moratória na exploração comercial dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos;
14. Propomos aos governos que reconheçam os conhecimentos tradicionais como saber e ciência, conferindo-lhe tratamento eqüitativo em relação ao conhecimento científico ocidental, estabelecendo uma política de ciência e tecnologia que reconheça a importância dos conhecimentos tradicionais;
15. Propomos que se adote um instrumento universal de proteção jurídica dos conhecimentos tradicionais, um sistema alternativo, sistema sui generis, distinto dos regimes de proteção dos direitos de propriedade intelectual e que entre outros aspectos contemple: o reconhecimento das terras e territórios indígenas, conseqüentemente a sua demarcação; o reconhecimento da propriedade coletiva dos conhecimentos tradicionais como imprescritíveis e impenhoráveis e dos recursos como bens de interesse público; com direito aos povos e comunidades indígenas locais negarem o acesso aos conhecimentos tradicionais e aos recursos genéticos existentes em seus territórios; do reconhecimento das formas tradicionais de organização dos povos indígenas; a inclusão do princípio do consentimento prévio informado e uma clara disposição a respeito da participação dos povos indígenas na distribuição eqüitativas de benefícios resultantes da utilização destes recursos e conhecimentos; permitir a continuidade da livre troca entre povos indígenas dos seus recursos e conhecimentos tradicionais;
16. Propomos que a criação de bancos de dados e registros sobre os conhecimentos tradicionais sejam discutidos amplamente com comunidades e organizações indígenas e que a sua implantação seja após a garantia dos direitos mencionados neste documento.
Neste encontro estão reunidos membros das comunidades indígenas com fortes tradições bem assim como líderes expertspara formular estas recomendações e propostas. Preocupados com o avanço da bioprospecção e o futuro da humanidade, dos nossos filhos e dos nossos netos que, reafirmamos aos governos que firmemente reconhecemos que somos detentores de direitos e não simplesmente interessados. Por esta razão temos certeza de que as nossas recomendações e proposições serão acatadas para a melhoria da humanidade.

Em São Luís do Maranhão, 06 de dezembro,
de 2001.

Texto Por Ana Marina Martins de Lima

Fonte: http://www.amazonlink.org/gd/diversidade/SenadoraMarinaPORT.doc

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