Verão tem o mar mais quente já registrado no Brasil, o que favorece tempestades
A tendência é que as águas continuem aquecidas pelo menos até abril, segundo especialista em Oceano Atlântico e ondas de calor
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— Rio de Janeiro
10/02/2024 04h31 Atualizado há 3 semanas
Este é o verão com o mar mais quente já registrado no Brasil. O Atlântico Sul nunca esteve com a temperatura da água tão elevada desde que as medições oceânicas por satélite começaram, há mais quatro décadas, afirma a cientista Regina Rodrigues, professora de oceanografia e clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do grupo que estuda o Oceano Atlântico e suas ondas de calor da Organização Meteorológica Mundial (OMM). Segundo ela, a tendência é que as águas continuem quentes pelo menos até abril.
Em janeiro e na primeira semana de fevereiro, o Atlântico, ao largo do Sudeste e do Sul do país, ficou entre 1°C a 2°C acima da média histórica para o período. Esta semana, na costa do Estado do Rio, por exemplo, a água superou 28°C. Isso é cerca de 1,5°C acima da média, diz Rodrigues.
Elevação ‘brutal’
É uma imensa elevação, dada a quantidade de energia necessária para aumentar a temperatura num volume de água da imensidão do Atlântico, explica a cientista. E ainda assim menor do que na costa da Argentina, onde a água ficou até 6 °C acima da média.
— Uma elevação de 1°C é grande, de 3°C, brutal. Mas 6°C é algo que não se imaginava — observa Rodrigues.
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Todos os oceanos, à exceção de uma parte do Pacífico Sul, estão mais quentes. Mas o Atlântico e o Índico têm se aquecido com maior intensidade, a despeito do El Niño (caracterizado pela elevação da temperatura da água) permanecer ativo no Pacífico Equatorial.
Em 2023, o aquecimento dos oceanos foi recorde. E, desde de março passado, o Atlântico — tanto o Norte quanto o Sul — tem estado com temperaturas acima da média histórica.
— Porém, em 2024 estamos vendo a elevação dar um salto, descolar até mesmo de 2023. Nunca vimos nada como agora — diz Rodrigues.
A temperatura elevada dos oceanos foi apontada pelo Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), a agência europeia do clima, como uma das razões para janeiro de 2024 ter sido o janeiro mais quente registrado na Terra desde 1850, quando começaram as medições.
De acordo com o Copernicus, em janeiro, a média da temperatura oceânica global (excetuadas as regiões polares) alcançou 20,97°C, um recorde para esse mês do ano e 0,26°C mais quente que o recorde anterior, em 2016. Janeiro de 2024 só teve temperatura oceânica inferior à de agosto de 2023 (verão no Hemisfério Norte), cuja temperatura foi apenas 0,01°C superior.
E, destaca o Copernicus, desde 31 de janeiro, as temperaturas diárias têm superado as dos dias mais quentes de agosto de 2023.
O mar quente é um oceano de problemas para o clima. O efeito imediato é o aumento da sensação de calor devido ao enfraquecimento da brisa marinha. Ela ajuda a reduzir a sensação de calor nas cidades litorâneas e praticamente desapareceu. Por dias seguidos, quando há vento, ele é quente; de alívio vira tormento.
No verão, a terra aquece mais depressa que o mar. O ar quente (menos denso) sobe na terra e desce sobre o mar, normalmente mais frio, formando a brisa, que é o deslocamento desse ar. Porém, diz Rodrigues, como a água do mar também está aquecida, esse fluxo não acontece com a mesma intensidade e a brisa enfraquece e se torna quente.
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Mar mais quente também é mar mais perigoso. Mais água evapora em forma de vapor. Uma vez na atmosfera, o vapor é combustível para tempestades. O meteorologista Marcelo Seluchi, diretor de operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), lembra que as arrasadoras tempestades de Petrópolis (fevereiro e março de 2022), Recife (maio de 2022) e São Sebastião (fevereiro de 2023) aconteceram em momentos que a água do mar estava excepcionalmente quente.
— O problema é que agora o mar está bem mais quente o tempo todo, independentemente de termos El Niño, La Niña ou períodos neutros. Certamente, isso tem impacto na temperatura e nas chuvas. O oceano é um regulador de temperatura. Por que, em geral, no litoral faz menos calor do que no interior? Porque a brisa que sopra do mar ajuda a reduzir a temperatura na terra — diz Seluchi.
O oceano quente também evapora mais água e lança mais vapor na atmosfera. Isso deixa a atmosfera carregada de umidade.
— Só não temos ainda mais chuvas extremas porque elas dependem de outros fatores. Porém, as frentes frias atualmente têm mais poder de causar chuvas intensas porque varrem atmosfera e oceano mais quentes — ressalta Seluchi.
A elevação da temperatura dos oceanos impressiona os cientistas. Eles dizem que não existe uma única causa, mas sim uma combinação de fatores. No Atlântico Tropical, que banha o litoral Norte e parte do Nordeste do Brasil, existe influência do El Niño. Mas ele não está sozinho.
Regina Rodrigues observa que estudos sugerem que as mudanças climáticas influenciam o aquecimento, sobretudo, na faixa subtropical. Isso acontece porque o Atlântico Subtropical é uma região de confluência de correntes marinhas. Em consequência, o calor absorvido pelo mar se mantém na superfície por mais tempo.
Outra possibilidade, que não exclui as demais, é que os mares, que absorvem 89% de todo o excesso de calor produzido pelo aquecimento global associado à ação humana, tenha começado a liberar parte desse calor.
— O aquecimento global é mitigado em parte pelos oceanos, que absorvem calor. Só que essa capacidade tem limites. Talvez esteja se esgotando — enfatiza Seluchi.
Fonte:https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2024/02/10/verao-tem-o-mar-mais-quente-ja-registrado-no-pais-o-que-favorece-tempestades.ghtml
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