Os erros das soluções baseadas na natureza no enfrentamento à crise climática
Especialistas explicam por que é preciso levar em conta a dinâmica do clima na priorização de áreas para conservação e restauração quando se fala em saídas sustentáveis para a emergência ambiental
Por Edenise Garcia e Milena Rosenfield*
30/06/2023 08h24 Atualizado há 4 meses
No entanto, iniciativas que buscam promover essas soluções, quando não levam em conta a resiliência das áreas onde são implantadas, podem se tornar suscetíveis às próprias mudanças climáticas que tentam mitigar. Isso ocorre porque essas iniciativas se baseiam em geral nas condições locais atuais, sem considerar os impactos potenciais das mudanças climáticas futuras.
O aumento da temperatura, da seca ou de distúrbios, como surtos de insetos e incêndios florestais, pode afetar negativamente a capacidade de realização da fotossíntese e, portanto, de capturar carbono. Isso compromete a integridade, ao longo do tempo, de florestas conservadas ou restauradas.
A resiliência ecológica indica a habilidade de um ecossistema absorver mudanças e se recuperar ou reorganizar, mantendo o equilíbrio e as condições que permitem o desenvolvimento das espécies. No contexto de mudanças do clima, a resiliência se refere à capacidade de lidar com as novas condições de precipitação e temperatura e suas consequências.
Estima-se que os locais mais heterogêneos sejam mais resilientes às mudanças climáticas, uma vez que podem manter características adequadas para o desenvolvimento de um maior número de espécies já adaptadas a condições diversas.
Para identificar locais resilientes, são utilizadas análises de priorização espacial focadas na distribuição das espécies da flora e da fauna. Isso é feito seja com o uso de modelos que estimam como espécies respondem às mudanças ambientais, seja pela identificação de refúgios que possam servir de abrigo para essas espécies, onde as variações do relevo geram diferentes condições microclimáticas que, por sua vez, propiciam maior diversidade de vegetação, de habitats e de animais. Além disso, é importante considerar a conectividade entre esses locais, possibilitando a dispersão e a movimentação das espécies para locais mais favoráveis.
Na Década da ONU para a Restauração de Ecossistemas (2021–2030), iniciativas de restauração florestal têm se tornado cada vez mais frequentes como consequência do fortalecimento do mercado voluntário de carbono. Um estudo da Força-Tarefa para Ampliar Mercados Voluntários de Carbono (TSVCM, em inglês) estima que a demanda por créditos de carbono gerados por SbN pode ter um crescimento acelerado, tornando-se 15 vezes maior até 2030 ou até 100 vezes maior até 2050, relativamente à demanda em 2020. Trata-se do resultado de um número cada vez maior de empresas se comprometendo a diminuir ao máximo suas próprias emissões de gases de efeito estufa.
Como muitas empresas não conseguem zerar ou reduzir suas emissões no curto prazo, por questões tecnológicas ou devido aos custos elevados, a compra de créditos de carbono gerados sobretudo pela restauração florestal em países tropicais acaba se tornando a alternativa mais acessível para compensar emissões de muitas cadeias produtivas.
Nesse mercado, o Brasil se destaca, sendo responsável atualmente pela oferta de 45 milhões de toneladas de carbono, ou seja, 12% dos créditos de carbono emitidos no mercado voluntário global. Espera-se que a participação brasileira no mercado mundial cresça para entre 22% e 49% até 2030, sobretudo devido ao desenvolvimento de projetos de restauração florestal na Mata Atlântica e na Amazônia.
Apesar do cenário promissor em termos de número de iniciativas de restauração e créditos de carbono gerados, as mudanças climáticas representam um desafio significativo para a eficácia de longo prazo dessas iniciativas, que são geralmente planejadas com base nas condições atuais e passadas.
Uma avaliação de 118 projetos de restauração no Sudeste Asiático e no Brasil indicou que menos de 5% levavam em conta, na identificação de áreas para restauração, a vulnerabilidade ecológica e a estrutura de conectividade entre manchas de vegetação nativa, essenciais para a preservação de processos e funções ecossistêmicos, de forma a garantir a segurança ecológica de longo prazo.
Além disso, embora a diversidade biológica proteja o potencial evolutivo das espécies e a capacidade de adaptação a um ambiente em mudança, ainda são poucos os projetos de restauração com foco na promoção da diversidade de espécies e genótipos a fim de aumentar a probabilidade de que as espécies possam responder às mudanças climáticas.
Nos últimos anos, a natureza jurídica e a transação dos créditos de carbono, assim como a regulação do mercado voluntário, têm sido o centro das atenções de fóruns globais para a discussão de mitigação das mudanças climáticas. Enquanto isso, a mortalidade de árvores em diferentes biomas mundiais tem aumentado e está sendo considerada como um indício de perda de resiliência de florestas.
Essa tendência reforça o alerta de que o curso e o sucesso das soluções baseadas na natureza e dos créditos gerados dependem de um planejamento adequado da conservação e restauração, que leve em conta a dinâmica das mudanças climáticas e de outras alterações ambientais e sociais de longo prazo.
*Edenise Garcia é diretora de Ciências e Milena Rosenfield é líder em ecologia, ambas da equipe de Ciências da The Nature Conservancy (TNC) Brasil.
Fonte:https://revistagalileu.globo.com/colunistas/tnc-brasil/coluna/2023/06/os-erros-das-solucoes-baseadas-na-natureza-no-enfrentamento-a-crise-climatica.ghtml
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